O que o clássico escritor francês Balzac e o brasileiro contemporâneo Stênio Gardel têm em comum?
Segundo alguns críticos literários, podemos definir "o valor" de uma obra literária de acordo com a sua capacidade de suscitar interpretações múltiplas e renovadas a cada nova releitura, sem nunca se deixar reduzir a elas. A obra de Balzac, constantemente republicada desde seu lançamento em 1834, nunca deixa de trazer novas interpretações, cada vez mais atualizadas.
Atualmente, sob a luz dos novos estudos queer, encontramos em Balzac uma fonte de riqueza sociológica da exploração das sexualidades. Vautrin, personagem que aparece em "O Pai Goriot" e outras obras, é um antigo forçado, chefe do submundo - e considerado por grande parte da crítica como o primeiro personagem homossexual de toda a literatura francesa. De acordo com Proust, inclusive, Balzac teria fundado de certa forma a literatura homossexual através de Vautrin.
De 1834 a 2021 muito tempo se passou e de Balzac chegamos a Stênio Gardel. Em "A palavra que resta" o autor nos conta a história de amor frustrada de dois homens. Uma história de amor interrompida. Interrompida pelos outros - pela ignorância, pelo preconceito, pela dificuldade dos outros. Tudo o que sobrou desse amor foi uma carta nas mãos de um analfabeto.
E assim como a obra de Balzac, o livro de Gardel se lê em muitos níveis diferentes, com diferentes interpretações possíveis. Há quem diga que "A palavra que resta" é um livro que se dedica a debater temas como o amor e as relações homossexuais, o preconceito e o analfabetismo. Verdade, mas ele não se limita a isso. Ele extrapola barreiras e fala sobre superação e recomeços, sobre a vida e suas frustrações, seus imprevistos.
O texto de Gardel guarda surpresas que tocam a cada um de nós. O texto de Gardel traz à tona pautas urgentes do nosso tempo e também traz questões universais e atemporais. Assim, não seria ele um verdadeiro clássico da atualidade? Balzac bate palmas no túmulo.
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